Portaria proíbe venda e uso de Lipostabil, o remédio que derrete as gordurinhas e virou febre de verão nos tratamentos estéticos.




Por um tempo, foi o milagre do verão. Em troca de dez sessões de injeções (doídas, é verdade) ao longo de dois ou três meses, o pneu, a barriga e o culote indesejados sucumbiam sob a ação do Lipostabil, um medicamento à base de fosfatidilcolina, substância derivada da soja que tem a capacidade de "derreter" gorduras. Ocorre que o milagroso Lipostabil, produzido pelo laboratório Aventis Pharma na Itália e na Alemanha, apresentava dois probleminhas. Primeiro, foi testado e aprovado unicamente para o tratamento de doenças coronárias causadas pelo acúmulo de gordura nas artérias; seu uso estético é inovação ainda sem embasamento científico rigoroso. Segundo, a Aventis jamais pediu a aprovação do registro do Lipostabil no Ministério da Saúde do Brasil, o que faz dele, em última instância, um medicamento sem licença para ser comercializado ou consumido no país, seja para o fim que for. Diante da sofreguidão com que o remédio passou a ser importado ou reconstituído em farmácias de manipulação nos últimos meses, para atender à procura dos vorazes consumidores, o Lipostabil acabou atropelado pelo próprio sucesso. No último dia 9, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou portaria que proíbe a importação, a distribuição, o comércio e o uso, para fins estéticos, de todo medicamento injetável, comercial ou manipulado, que contenha fosfatidilcolina. Quem não obedecer será notificado, podendo receber multa de até 1,5 milhão de reais e ter o estabelecimento fechado.




Médicos e usuários da chamada "lipo light" se indignaram. "Estão fazendo com o Lipostabil o mesmo que com o Botox, que só foi liberado para eliminar rugas no ano passado, dez anos depois de começar a ser usado para esse fim", fulmina a dermatologista paulista Patrícia Rittes, uma das maiores especialistas na utilização de Lipostabil no país, com mais de 2.000 pacientes submetidos ao procedimento. "Realmente existe um uso indiscriminado do produto, e sou favorável ao controle. Mas proibição, não", acrescenta Patrícia, que diz empregar Lipostabil para fins estéticos desde 1995, sem nunca ter registrado nenhuma complicação. Mesmo assim, Patrícia, como a maioria dos colegas, decidiu parar com as aplicações – notícia particularmente dolorida para quem já passou por quatro, cinco sessões de agulhadas e sofrimento. A argumentação da Anvisa para publicar a resolução é ancorada no fato de que não existem pesquisas detalhadas sobre os efeitos da fosfatidilcolina no combate à gordura localizada. Se não há estudos, não há como garantir a inexistência de efeitos deletérios – embora tampouco se possa comprovar o contrário. "A resolução surgiu de uma preocupação com os possíveis riscos do uso desse medicamento para fins estéticos. Não sabemos, por exemplo, qual o efeito do tratamento a longo prazo", diz Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques, diretor da Anvisa. O próprio laboratório Aventis faz questão de se distanciar da "lipo light", alertando, em um comunicado, para "os riscos decorrentes do uso inadequado do medicamento".

No que depender dos pacientes loucos por exterminar gordurinhas, os resultados compensam possíveis riscos. Tanto que, mesmo alertados pelo comunicado da Aventis e por advertências das autoridades médicas que precederam a proibição, muitos continuaram, animados, a rotina de aplicações. "Não podia usar blusinhas justas ou transparentes porque a dobrinha nas costas aparecia. Com o tratamento, perdi 4 centímetros e posso usar o que quiser", comemorava na semana passada a recepcionista Simone Molico, 31 anos, nove aplicações de fosfatidilcolina na clínica da dermatologista Ligia Kogos, de São Paulo. Foi também lá que o empresário Praid Picarelli, 41 anos, sete aplicações, deixou 8 centímetros de cintura. Doer, doeu, principalmente depois das primeiras aplicações, que lhe renderam hematomas. Mas, mesmo sem ter terminado o tratamento, ele acha que valeu a pena. "Por mais que fizesse exercício aeróbico, não conseguia eliminar os pneuzinhos. Pensei em fazer lipoaspiração, mas achei muito agressivo. Com o Lipostabil, pude diminuir um furo de todos os meus cintos", conta. Para Ligia, o maior problema decorrente da proibição do Lipostabil deve ser a disseminação descontrolada das aplicações em academias de ginástica e salões de cabeleireiro. "Alguns já fazem o tratamento. Como não são fiscalizados, a oferta deve aumentar", avisa ela.


 
 
Fonte :  http://veja.abril.com.br/220103/p_048.html